segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Violência Doméstica


A página 18 do Diário de Notícias de 17 de Dezembro é preenchida com duas notícias sobre o caso do senhor Mário Pessoa, agressor e homicída:



Homicida ouviu ontem em tribunal um GNR que baleou. Outro guarda, testemunha no caso, foi agredido a murro. 

Um militar da GNR de Montemor-o-Velho, testemunha no julgamento de Mário Pessoa - que matou a mulher e um soldado da Guarda no interior do posto local -, interveio anteontem numa situação grave de violência doméstica em plena via pública, na freguesia de Pereira do Campo.

O militar e um colega acabaram, aliás, agredidos a murro e pontapé quando tentavam separar a mulher do marido agressor, apurou o DN com fonte policial. Foi necessário a patrulha algemar o homem de 31 anos.

A situação aconteceu pelas 18.30 de quarta-feira. O agressor deu vários empurrões e uma forte cabeçada na mulher. Uma moradora assistiu à cena violenta e protegeu a vítima: puxou-a para dentro de casa e chamou a GNR. O homem desapareceu do local por momentos, mas voltou a aparecer quando avistou a patrulha da GNR. A mulher foi falar com os militares e o marido, irado, descarregou na patrulha ao murro e pontapé. Um dos guardas ficou ferido no peito e o outro no pulso.

Os dois militares, apesar de combalidos, ainda conseguiram algemar o homem, que estava descontrolado. Segundo adiantou fonte policial, os dois guardas precisaram de tratamento hospitalar. Um dos soldados denunciou o detido pelo crime de agressão a elementos da autoridade.

Este detido já tinha antecedentes pelo crime de violência doméstica: uma queixa-crime apresentada no tribunal de Soure - localidade onde o casal residiu antes de se mudar para Montemor-o- -Velho - e outra mais recente, de uma agressão à mulher ocorrida no final do mês numa rua em Coimbra e registada pela PSP.

O agressor foi ontem conduzido ao tribunal de Montemor-o-Velho, mas, ao final da tarde, ainda não tinha sido ouvido. Um dos guardas que ele agrediu era para prestar depoimento como testemunha no julgamento de Mário Pessoa, mas o seu depoimento foi agendado para outro dia.

Foi um outro militar da GNR de Montemor-o-Velho, baleado a 29 de Novembro de 2009 por Mário Pessoa, que protagonizou, ontem à tarde, um dos depoimentos-chave do processo em que o arguido está acusado de 11 crimes, entre os quais duplo homicídio e violência doméstica. Adérito de Jesus Teixeira contou com detalhe todos os momentos que passou, desde que ouviu a sirene de uma ambulância. Antes disso, Maria Manuela tinha feito queixa por violência doméstica.

Os bombeiros que tentaram levá-la ao hospital (e que inverteram a marcha antes de entrar na auto--estrada para a Figueira da Foz devido à perseguição do homicida) contaram, ontem, que a vítima tinha hematomas na cabeça, sangrava dos lábios.

Nesta segunda sessão do julgamento de Mário Pessoa, o militar Adérito Teixeira lembra que quando saiu do posto, para ver porque estava ali uma ambulância em emergência, logo viu o arguido com uma caçadeira, ameaçando todos os militares que surgiam à porta do posto dizendo que saíssem da sua frente pois matava-os a todos. O testemunho deste sobrevivente envolvido neste caso trágico de violência doméstica foi escutado em profundo silêncio na sala de audiências do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, onde assistiam muitos colegas da GNR.

Mário quis desmentir o relato do militar da GNR. "Prefiro uma prisão perpétua, ele não está a dizer a verdade", disse. O juiz presidente questionou, irritado: "Este senhor agente que saiu baleado está a mentir?" Mário repetiu a tese que se queria suicidar."



Mário Pessoa, ao voltar a evocar ontem a tese de suicídio frustrado, provocou a exaltação do juiz que preside ao colectivo. "Eu era um ser possuído pelo demónio, queria desistir da vida." A frase, em tom exaltado, do arguido Mário Pessoa, no fim da segunda sessão do julgamento em que ele responde por 11 crimes, levou o juiz presidente a adverti-lo, em tom ríspido: "O senhor está cá, a sua mulher não está. O senhor está cá, o militar [David Dias] da GNR não está." Mário Pessoa ainda diz: "Estou com gatilho nas mãos, é fácil disparar", voltando à tese que defendeu no início deste julgamento que queria "desistir da vida".

O duplo homicida ouviu ontem com particular atenção o depoimento da irmã da sua mulher, dos dois bombeiros que tentaram transportar Maria Manuela (vítima de violência doméstica) e do militar baleado. Só os seus pais se recusaram ontem a depor. Findo o testemunho de Teresa Paula Rama Costa, irmã da mulher assassinada a tiro dentro da ambulância, Mário Pessoa levantou-se e gritou: "Paula, saúde para os nossos meninos, minha linda!"

Ela descrevera, momentos antes, o cenário de violência que encontrou em casa da irmã: "Depois de saber que ele a tinha matado fui lá a casa. Vi sangue nos cortinados do quarto da filha, nos tapetes, na casa de banho. Havia uma moldura partida, com a foto do casal." Teresa, emocionada, afirmou que a filha mais nova do casal, que ia ao colo da mãe na ambulância e que depois teve de receber tratamento hospitalar vítima de estilhaços, ainda hoje "tem muitas saudades da mãe". Justifica: "Ela era uma menina feliz, a minha irmã fazia tudo pelos filhos." Na sala, escuta-se o choro de algumas pessoas.

Adérito Texeira, o militar sobrevivente ao tiroteio dentro do posto, justificou porque o homem que tinha acabado de disparar contra a sua mulher não foi algemado, situação que muitos na altura dos trágicos acontecimentos não conseguiram compreender: "Como era muito próximo do posto, como ele não ofereceu resistência, não houve necessidade de algemar." Certo é que Mário Pessoa ainda tinha um revólver no bolso das calças e voltou a disparar. David Dias sucumbiu, baleado.

Quando o militar Teixeira descreve tudo o que viveu dentro do posto até levar Mário Pessoa até à zona prisional, ouve-se, de novo, o arguido a dizer: "Tanta mentira, meu Deus!"

O juiz presidente pergunta ao militar: "Alguma vez se apercebeu que ele queria pôr termo à vida?" A resposta de Adérito é negativa. Explica, sim, que o arguido fazia força com o braço quando tirou um objecto do bolso. "Para mim foi um disparo, fui atingido na anca direita, gritei 'foge Dias', consegui sair de pé, mas comecei a rastejar depois..."

A próxima sessão é a 4 de Janeiro."


E isto é algo que me preocupa profundamente. Ditados como "Quanto mais me bates, mais eu gosto de ti" ou "Entre marido e mulher não se mete a colher" estão ultrapassados. Uma denúncia e separação por parte da mulher logo na primeira agressão ou denúncias por parte dos vizinhos ou familiares poderiam ter salvo a mulher. Quem ama não agride. A passividade não resolve. Quem agride uma vez, agride as vezes que forem necessárias. Se é vítima de violência doméstica, não continue a ser domada, não seja cúmplice da sua morte. Se tem conhecimento de algum situação de violência doméstica, denuncie. Violência Doméstica é um crime público. Qualquer pessoa tem o direito e a possibilidade de denunciar. Ao fazê-lo, poderá estar a salvar uma vida. Ao escolher não fazê-lo estará a compactuar com o agressor. Nesta matéria não há campo neutro.





11 comments:

Denunciar é, não só uma possibilidade que temos, como um dever. Um dever moral e cívico que pode mudar a vida de alguém e pode, se for um acto continuado, mudar consciências e atitudes.

De nada (:
O título despertou-me interesse em ler e não podia ignorar.

Calma com a questão da denúncia. Não é por ser crime público que vamos denunciar sem mais nem menos. E a segurança da vítima? As tentativas de homicídio (consumadas ou não) aumentam após a denúncia. Primeiro temos de ter a certeza que a vítima está segura e acompanhada e, depois, fazemos a denúncia.

Revolta-me saber que, nem depois de um caso como este, os agentes da GNR podem usar a arma para "acalmar" o agressor ou outros/as criminosos/as. Não concebo como é que um palerma daqueles pode sequer achar que faz frente a um militar, quanto mais a um grupo deles.

Ana (GATA)

Não tinha pensado na questão da segurança de que fala a Ana e , realmente, é uma questão a ter em conta. Mas como as pessoas continuam a achar que «entre marido e mulher não se mete a colher » acho que , mesmo quando podem denunciar e manter a vítima em segurança, continuam sem o fazer. As pessoas não se querem « meter », não querem agir. Muitas vezes a vítima não tem coragem de denunciar e esse pode ser um apoio fundamental para começar uma mudança.

No meio desta notícia terrível, aquilo que mais gostei de ler foi a decisão da vizinha de proteger a vítima e alertar a GNR. Penso que o que acontece mais frequentemente é ninguém se importar ou, tal como relembraste LUNA e muito bem, as pessoas não querem intervir (com medo ou porque não se interessam).
Nós falamos muito na denúncia porque é extremamente importante mas, agora que sabemos desta nova tónica da segurança, não nos esqueçamos dela. Quando falarmos numa, acrescentamos logo a outra. =)

Obrigada eu (e acho que posso falar em nome de todas as mulheres, mesmo aquelas que ainda não despertaram para esta luta), Boneca de Trapos, por manteres um blog sobre um tema que não é fácil e que, infelizmente, costuma trazer mais inimigos/as do que amigos/as. =|

obrigada querida :)
que blog tão interessante*

O comentário da Boneca de Trapos parece-me muito pertinente. Além disso temos de perceber que a violencia doméstica é a ponta do icebergue da violencia sexista que pervade toda a nossa sociedade e cultura e é contra esta que temos de unir esforços.

(comentário recuperado de 1 de Janeiro de 2011)

Ana, levantaste uma questão bastante pertinente, de facto. A prioridade deve ser sempre a segurança da vítima e só depois de cumprido esse requisito passar para a denúncia do agressor.

é muito chocante também perceber isso da capacidade de resposta da GNR. Imagino que, se o guarda tivesse alvejado o senhor para se defender, seria acusado de abuso de poder...

muito obrigada pelo contributo :)

(comentário recuperado de 2 de Janeiro de 2011)

Sim. o mais importante é consciencializarmo-nos de que devemos ter uma postura activa na sociedade e termos noção de que, não fazer algo já contribui para qua alguma coisa aconteça de forma diferente. O grande problema para o feminismo em geral e nao só nesta questão da violência doméstica é que as pessoas, mesmo quando têm consciencia da opressão de que são vítimas, continuam a acreditar que não conseguem fazer a diferença. e esse é o motor da estagnação... :S

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