quinta-feira, 19 de agosto de 2010

SUECA – O Jogo dos Homens


Depois de um bom churrasco (através do qual o macho conseguiu comprovar a sua masculinidade) para dar continuação ao dia dos homens, ele deve participar entusiasmadamente no jogo Sueca. É que, na verdade, a organização de um churrasco, por si só, não é suficiente para o homem se afirmar enquanto macho. Todas as acções e palavras que saem de uma boca masculina servem, precisamente, para demonstrar esse facto: “Eu sou homem, [piii]!”. Assim, este é um jogo de afirmação masculina, tanto que teimam em que permaneça um autêntico mistério para as mentes femininas.



Com o tampo da mesa limpo de quaisquer impurezas que possam sujar as cartas e com uma boa pinga por perto para encher o copo e aquecer a garganta (o vinho aqui não é considerado impureza, já que beber é de macho e, como este se trata de um outro adereço tão masculino, é considerado, antes, um agente purificador. Ser possuidor de cartas com manchas de vinho é um orgulho!), estão reunidas, com mais três jogadores, as condições necessárias para o início deste jogo épico.



Digo épico porque é bem ao jeito de uma batalha de gladiador. De súbito, no momento da distribuição das cartas, vemos o local onde decorre o jogo transformado numa arena romana, onde cada um dos intervenientes terá de lutar pela sua vida. O que ganhar ganha não só o carimbo da masculinidade, símbolo de uma superioridade em relação à mulher, mas também o carimbo da grandiosidade, símbolo de uma superioridade em relação a todos os homens, isto é, uma superioridade suprema.



Como vemos, este jogo tem um propósito muito específico que, ao contrário do que se pensa, não é o de servir o entretenimento masculino enquanto as mulheres arrumam e vasculham a vida dos vizinhos. O que leva um homem a querer participar na Sueca é o mesmo que o leva a assistir a um jogo de futebol com outros homens, em especial, de clubes directamente concorrentes do seu. Desmistificando, trata-se da oportunidade de poder insultar e gritar com os outros jogadores/espectadores sem, com isso, sofrer qualquer punição ou pôr em risco a amizade com qualquer um deles (um pouco à semelhança do que se vê diariamente na assembleia da república). Como se vai dizendo, “amigos, amigos, negócios à parte”.



Assim, para vencer os seus amigos (que visão tão viril), o homem socorre-se de vários meios. O primeiro, no fundo, o desencadeador de todos os outros, é precisamente o vinho. Embora não se perceba muito bem, este agente purificador tem também o poder de permitir a quem o bebe saltar a regra mais importante do jogo: o silêncio. A partir do momento em que o vinho torna possível a comunicação verbal durante o jogo, toda a sua dinâmica muda.



O recurso à fala torna, por consequência, praticável o recurso ao tão útil palavrão. Também a arte de usar um palavrão em cada frase, distribuição de cartas, jogada ou contagem de pontos é uma forma do macho se aproximar da arte de o ser. E, se conseguir proferir uma frase apenas com recurso a palavrões tratar-se-á de um herói, um exemplo a seguir, “Um grande homem!”.



O palavrão é, claramente, um incentivo à discussão intensa e com decibéis superiores aos de um qualquer estádio de África do Sul repleto de adeptos da vuvuzela. Estas discussões, normalmente, surgem quando a sua equipa perde e são utilizadas simplesmente para esclarecer quem é, dentro da equipa derrotada, o melhor jogador. É claro que, se a sua equipa perder, a culpa não é sua, é sempre do seu companheiro de equipa. Ora um diz que o outro é burro e que não percebeu os sinais, ora o outro diz que esse é que tem de ser mais específico. No final, nunca se chega a perceber realmente de quem foi a culpa. Percebe-se, apenas, que a outra equipa joga melhor, porque, como é óbvio, ganhou (não para os homens, porque, quando a outra equipa ganha é, simplesmente, porque teve sorte).



Porém, neste jogo onde a regra do silêncio é interrompida pela comunicação verbal, há, ainda, a resistência da comunicação não verbal. Falo dos murros e pancadas confiantes que o homem sente necessidade de dar numa ou outra jogada, de quando em quando. Calma, calma! Não o fazem por estarem chateados, fazem-no simplesmente para mostrar que têm a certeza que vão ganhar (mesmo que não a tenham). No fundo, acaba por funcionar um pouco como o bluff no Poker, com a pequena diferença de, na Sueca, ser inconsciente. Mas têm a certeza que vão ganhar porquê? Porque são superiores aos outros, são invencíveis. Por isso, têm de os ganhar, quanto mais não seja, pelo método da intimidação. “Se ele consegue dar um murro daqueles na mesa sem partir os ossos e sem se magoar, imagine só o que me pode fazer a mim se lhe ganho!!”



Assim, no final de comunicações verbais, palavrões, discussões e competições de murros na mesa em prol da salvaguarda do masculino em cada macho, apesar de haver uma equipa que, em termos numéricos, ganha, na prática, quem ganha é o macho e a masculinidade tão superiores quando comparados com a fêmea e a feminilidade. Desta forma, a mulher tem de felicitar o homem por este feito e cumprir a sua obrigação. Limpar a arena romana, a quaisquer horas que o combate tenha terminado, enquanto o homem se prepara calmamente e triunfante para o seu sono de herói, faz parte da sua recompensa.

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