domingo, 25 de julho de 2010

Aqui Dentro de Casa - José Mário Branco



Mariazinha fui, em Marta me tornei
Vou daquilo que fui pr'aquilo que serei


Foi há tantos anos, foi há dois mil anos
Que vi no amor o meu Cristo 

Que me mostraste um amor imprevisto
Que me falaste na pele e no corpo a sorrir

Meus olhos fechados, mudos, espantados
Te ouviram como se apagasses
A luz do dia ou a luta de classes
Meus olhos verdes ceguinhos de todo para te servir

Mariazinha fui, em Marta me tornei
Vou daquilo que fui pr'aquilo que serei

Filhos e cadilhos, panelas e fundilhos
Meteste as minhas mãos à obra
E encontraste momentos de sobra
Para evitar que o meu corpo pensasse na vida


Meus olhos fechados, mudos e cansados
Não viam se verso, se prosa
O meu suor era o teu mar de rosas
Meus olhos verdes, janelas de vida fechados por ti 


Mariazinha fui, em Marta me tornei
Vou daquilo que fui pr'aquilo que serei

Pegas-me na mão e falas do patrão
Que te paga um salário de fome
O teu patrão que te rouba o que come
Falas contigo sozinho pra desabafar

Meus olhos parados, mudos e cansados
Não podem ouvir o que dizes
E fico à espera que me socializes
Meus olhos verdes, boneca privada do teu bem-estar 


Mariazinha fui, em Marta me tornei
Vou daquilo que fui pr'aquilo que serei

Sou tua criada boa e dedicada
Na praça, na casa e na cama
Tu só me vês quando vestes pijama
Mas não me ouves se digo que quero existir


Meus olhos cansados ficam acordados
De noite chorando esta sorte
De ser escrava prá vida e prá morte
Meus olhos verdes vermelhos de raiva para te servir


Mariazinha fui, em Marta me tornei
Vou daquilo que fui pr'aquilo que serei

A tua vontade, justiça igualdade
Não chega aqui dentro de casa
Eu só te sirvo para a maré vaza
Mas eu já sinto a minha maré cheia a subir 


Meus olhos cansados abrem-se espantados
Prá vida de que me falavas
Pra combater contra os donos de escravas
Meus olhos verdes que te vão falar e que tu vais ouvir

Mariazinha fui, em Marta me tornei
Sei aquilo que fui e que jamais serei



VER TAMBÉM:
interpretação de José Mário Branco, Mafalda Veiga e João Pedro Pais no Répública de Abril (RTP);
interpretação de Mafalda Veiga e João Pedro Pais em Lado a Lado;
interpretação de Lena de Àgua.



É isto que nos proponho! 


SEJAMOS TODAS "MARTAS"!!,

"pra combater contra os donos de escravas".




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