A página 18 do Diário de Notícias de 17 de Dezembro é preenchida com duas notícias sobre o caso do senhor Mário Pessoa, agressor e homicída:
Homicida ouviu ontem em tribunal um GNR que baleou. Outro guarda, testemunha no caso, foi agredido a murro.
Um militar da GNR de Montemor-o-Velho, testemunha no julgamento de Mário Pessoa - que matou a mulher e um soldado da Guarda no interior do posto local -, interveio anteontem numa situação grave de violência doméstica em plena via pública, na freguesia de Pereira do Campo.
O militar e um colega acabaram, aliás, agredidos a murro e pontapé quando tentavam separar a mulher do marido agressor, apurou o DN com fonte policial. Foi necessário a patrulha algemar o homem de 31 anos.
A situação aconteceu pelas 18.30 de quarta-feira. O agressor deu vários empurrões e uma forte cabeçada na mulher. Uma moradora assistiu à cena violenta e protegeu a vítima: puxou-a para dentro de casa e chamou a GNR. O homem desapareceu do local por momentos, mas voltou a aparecer quando avistou a patrulha da GNR. A mulher foi falar com os militares e o marido, irado, descarregou na patrulha ao murro e pontapé. Um dos guardas ficou ferido no peito e o outro no pulso.
Os dois militares, apesar de combalidos, ainda conseguiram algemar o homem, que estava descontrolado. Segundo adiantou fonte policial, os dois guardas precisaram de tratamento hospitalar. Um dos soldados denunciou o detido pelo crime de agressão a elementos da autoridade.
Este detido já tinha antecedentes pelo crime de violência doméstica: uma queixa-crime apresentada no tribunal de Soure - localidade onde o casal residiu antes de se mudar para Montemor-o- -Velho - e outra mais recente, de uma agressão à mulher ocorrida no final do mês numa rua em Coimbra e registada pela PSP.
O agressor foi ontem conduzido ao tribunal de Montemor-o-Velho, mas, ao final da tarde, ainda não tinha sido ouvido. Um dos guardas que ele agrediu era para prestar depoimento como testemunha no julgamento de Mário Pessoa, mas o seu depoimento foi agendado para outro dia.
Foi um outro militar da GNR de Montemor-o-Velho, baleado a 29 de Novembro de 2009 por Mário Pessoa, que protagonizou, ontem à tarde, um dos depoimentos-chave do processo em que o arguido está acusado de 11 crimes, entre os quais duplo homicídio e violência doméstica. Adérito de Jesus Teixeira contou com detalhe todos os momentos que passou, desde que ouviu a sirene de uma ambulância. Antes disso, Maria Manuela tinha feito queixa por violência doméstica.
Os bombeiros que tentaram levá-la ao hospital (e que inverteram a marcha antes de entrar na auto--estrada para a Figueira da Foz devido à perseguição do homicida) contaram, ontem, que a vítima tinha hematomas na cabeça, sangrava dos lábios.
Nesta segunda sessão do julgamento de Mário Pessoa, o militar Adérito Teixeira lembra que quando saiu do posto, para ver porque estava ali uma ambulância em emergência, logo viu o arguido com uma caçadeira, ameaçando todos os militares que surgiam à porta do posto dizendo que saíssem da sua frente pois matava-os a todos. O testemunho deste sobrevivente envolvido neste caso trágico de violência doméstica foi escutado em profundo silêncio na sala de audiências do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, onde assistiam muitos colegas da GNR.
Mário quis desmentir o relato do militar da GNR. "Prefiro uma prisão perpétua, ele não está a dizer a verdade", disse. O juiz presidente questionou, irritado: "Este senhor agente que saiu baleado está a mentir?" Mário repetiu a tese que se queria suicidar."
Mário Pessoa, ao voltar a evocar ontem a tese de suicídio frustrado, provocou a exaltação do juiz que preside ao colectivo. "Eu era um ser possuído pelo demónio, queria desistir da vida." A frase, em tom exaltado, do arguido Mário Pessoa, no fim da segunda sessão do julgamento em que ele responde por 11 crimes, levou o juiz presidente a adverti-lo, em tom ríspido: "O senhor está cá, a sua mulher não está. O senhor está cá, o militar [David Dias] da GNR não está." Mário Pessoa ainda diz: "Estou com gatilho nas mãos, é fácil disparar", voltando à tese que defendeu no início deste julgamento que queria "desistir da vida".
Ela descrevera, momentos antes, o cenário de violência que encontrou em casa da irmã: "Depois de saber que ele a tinha matado fui lá a casa. Vi sangue nos cortinados do quarto da filha, nos tapetes, na casa de banho. Havia uma moldura partida, com a foto do casal." Teresa, emocionada, afirmou que a filha mais nova do casal, que ia ao colo da mãe na ambulância e que depois teve de receber tratamento hospitalar vítima de estilhaços, ainda hoje "tem muitas saudades da mãe". Justifica: "Ela era uma menina feliz, a minha irmã fazia tudo pelos filhos." Na sala, escuta-se o choro de algumas pessoas.
Adérito Texeira, o militar sobrevivente ao tiroteio dentro do posto, justificou porque o homem que tinha acabado de disparar contra a sua mulher não foi algemado, situação que muitos na altura dos trágicos acontecimentos não conseguiram compreender: "Como era muito próximo do posto, como ele não ofereceu resistência, não houve necessidade de algemar." Certo é que Mário Pessoa ainda tinha um revólver no bolso das calças e voltou a disparar. David Dias sucumbiu, baleado.
Quando o militar Teixeira descreve tudo o que viveu dentro do posto até levar Mário Pessoa até à zona prisional, ouve-se, de novo, o arguido a dizer: "Tanta mentira, meu Deus!"
O juiz presidente pergunta ao militar: "Alguma vez se apercebeu que ele queria pôr termo à vida?" A resposta de Adérito é negativa. Explica, sim, que o arguido fazia força com o braço quando tirou um objecto do bolso. "Para mim foi um disparo, fui atingido na anca direita, gritei 'foge Dias', consegui sair de pé, mas comecei a rastejar depois..."
A próxima sessão é a 4 de Janeiro."
E isto é algo que me preocupa profundamente. Ditados como "Quanto mais me bates, mais eu gosto de ti" ou "Entre marido e mulher não se mete a colher" estão ultrapassados. Uma denúncia e separação por parte da mulher logo na primeira agressão ou denúncias por parte dos vizinhos ou familiares poderiam ter salvo a mulher. Quem ama não agride. A passividade não resolve. Quem agride uma vez, agride as vezes que forem necessárias. Se é vítima de violência doméstica, não continue a ser domada, não seja cúmplice da sua morte. Se tem conhecimento de algum situação de violência doméstica, denuncie. Violência Doméstica é um crime público. Qualquer pessoa tem o direito e a possibilidade de denunciar. Ao fazê-lo, poderá estar a salvar uma vida. Ao escolher não fazê-lo estará a compactuar com o agressor. Nesta matéria não há campo neutro.